É a imigração a única culpada da Crise da Habitação em Portugal?

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Em conversa com colegas no trabalho surgiu o tema da habitação. A Csrocha disse convictamente que “isto tem de rebentar algum dia – houve poucos alunos a concorrer ao ensino superior porque as famílias não têm capacidade de enviar os filhos para a faculdade se tiverem de alugar quartos ou apartamentos”. Procurei casa muito recentemente, em dezembro do ano passado, por isso é um tema que me está fresco e afeta particularmente.

Porque está o mercado tão caro?

90% das pessoas que respondem a esta pergunta dizem que é o mercado a funcionar e que é o resultado de pouca oferta face à procura. Que em grande parte é devido à imigração que temos os preços atuais. Entrou muita gente em Portugal nos últimos 6 anos e o parque habitacional não estava preparado para tanta gente.

AnoImigrantes EntradosEstimativa População Imigrante
201536.849~400.000 
201637.644 
201746.649 
201855.357 
201995.382 
202083.654 
202197.119 
2022118.000 ~800.000 
2023>120.000 (estimado)
2024~1.600.000 

Claramente toda esta população tem de ter onde viver.

Não encontrei dados publicados sobre quantas pessoas entraram em Portugal nos anos de 2023 e 2024, mas olhando para o quadro é fácil perceber que é uma realidade o aumento exponencial de população imigrante em Portugal. De 2015 a 2022 duplicamos a população imigrante residente e estima-se que tenha duplicado de novo de 2022 para 2024.

Ainda assim, a imigração — destacando-se o crescimento da comunidade brasileira e asiática em cidades secundárias e metropolitanas — contribui para a pressão sobre a oferta, mas não explica, por si só, o aumento acentuado dos preços.

Isto deixa-me a pensar se o aumento do custo da habitação é um problema único a Portugal.

Em suma, não. O aumento do custo da habitação não é exclusivo a Portugal — é um fenómeno transversal a muitos países do mundo ocidental, tanto nos Estados Unidos como na Europa, onde cidades como Paris, Madrid, Barcelona, e outras enfrentam desafios semelhantes relacionados com preços elevados, escassez de oferta e grande pressão de procura habitacional.

Então se a crise é em grande parte do mundo desenvolvido, porquê que em Portugal se nota mais? Os preços da habitação mais que duplicaram (aumento real de cerca de 121%), enquanto a média da OCDE foi em torno de 40% no mesmo período.

A minha perceção, é que este cenário se deve a dois grandes motivos.

O fraco investimento público e motivos culturais

O parque habitacional público em Portugal representa menos de 2% do total do parque habitacional, com cerca de 120 mil habitações públicas, valor praticamente estável há mais de uma década, sem crescimento significativo.

Nos últimos 20 anos, o Estado construiu cerca de 8.700 habitações públicas, enquanto o setor privado construiu cerca de 830.000 habitações no mesmo período, evidenciando um investimento muito superior do setor privado.

Contudo, a construção total de habitação nova caiu muito desde 2010. Na década entre 2011 e 2021, foram construídas apenas 110.784 habitações, representando só cerca de 3,1% do parque total, uma redução significativa em relação às décadas anteriores.

Dados recentes, mostram um esforço do Governo para aumentar a construção pública, com planos para duplicar a construção de habitação pública até 2030, e espera construir perto de 59 mil casas públicas nesse período.

Adicionalmente, o forte investimento privado, seja ele nacional ou estrangeiro, para rentabilização reduz artificialmente a oferta e condiciona o mercado.

Por outro lado, o português prefere ter habitação própria e quem arrenda casa, por norma é por motivos de insuficiência financeira para comprar a sua casa.

Aqui, a imigração tem um papel fundamental, pois aumenta imenso a procura pelo mercado de arrendamento e cria uma fonte de investimento não nova, mas tradicionalmente menos explorada em Portugal em comparação com outros países europeus.

A possibilidade de comprar um T3 com 40 anos, fazer obras de remodelação, superficiais ou não, e arrendá-la é uma perspetiva interessante de investimento. Principalmente se conseguir subdividir o T3 em 3 T0 a 800 euros cada. Prática cada vez mais comum no Porto e Lisboa.

Mas e se realmente houver uma bolha?

Contudo, o que realmente me preocupa é o investimento de particulares. Mais e mais ouço conversas em cafés, redes sociais de comuns cidadãos que se endividam e contraem crédito bancários, sejam eles Créditos Habitação ou até mesmo créditos ao consumo para investirem no mercado habitacional, porque “é o que está a dar“.

E preocupa-me porquê? As taxas de juros baixaram para níveis que acho normais. 2% é um valor historicamente médio. Contudo, os rendimentos seguros e estáveis que um AL ou arrendamento permitem, aliado à baixa fiscalização fomentam o endividamento crescente face a este mercado.

Se um dia há um soluço na economia que provoque um aumento das taxas de juro, nem que seja por 1 pp, o crédito mal-parado vai disparar e vai tudo cair como um castelo de cartas. Inquilinos deixam de conseguir pagar rendas, senhorios deixa de conseguir pagar as prestações das segundas, e terceiras casas.

Mencionei a baixa fiscalização porque um dos fatores que favorece o aumento dos preços é, desculpem (hmmm…hmmmm, limpei a garganta), a ganância.

E onde é que a fiscalização poderia ajudar?

  • Arrendamento ilegal e subarrendamento não autorizado: contratos não declarados, arrendamento de habitações ou quartos sem autorização do senhorio ou sem cumprimento das regras legais, prática que é recorrente e prejudica tanto o mercado como os arrendatários e o Estado.
  • Falta de contratos formais declarados às Finanças: quase 60% dos contratos de arrendamento podem não estar formalizados ou não declarados, o que gera evasão fiscal e dificulta a proteção dos direitos de inquilinos e senhorios. Desde 01/08/2025 que os inquilinos podem comunicar os contratos à Autoridade Tributária, contudo, além dos possíveis problemas posteriores de assédio ou não renovação de contrato por ressentimento do senhorio, é preciso haver consequências para quem faz evasão fiscal.
  • Anúncios irregulares e publicidade enganosa: Embora aqui não dê grande prioridade pois os inquilinos DEVEM sempre verificar o imóvel e contrato previamente a assumir quaisquer compromissos, existem situações de publicitação de arrendamento em condições que não correspondem à realidade, seja quanto ao imóvel, valor da renda ou condições contratadas.
  • Conservação e utilização irregular do imóvel: habitações em mau estado de conservação, utilização de espaços para fins que não condizem com a licença urbanística, ou condições higiénicas e de salubridade inadequadas.
  • Violação da legislação relacionada com rendas: incumprimentos de limites aos aumentos de renda, contratos com condições abusivas, ou falta de respeito por regras das leis de arrendamento habitacional.
  • Problemas na gestão dos contratos e despejos: dificuldade ou demora excessiva nos despejos legais.