Primeiro os factos. O governo aprovou a proibição do uso de telemóveis nas escolas até ao 6º ano. Esta decisão não surgiu do nada. Já em setembro de 2024, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação já tinha emitido recomendações às escolas para proibir o uso destes equipamentos nos 1º e 2º ciclos.
Além da opinião pública e pessoal, que darei mais à frente, existem estudos da OCDE que demonstraram dados preocupantes. 34% dos alunos portugueses mostraram distrair-se com dispositivos digitais. E, segundo o observador, mais de metade dos alunos do 2º ciclo passam mais de 4 horas diárias em frente a um ecrã.
Esta medida conta com forte apoio popular.
A NetSonda concluiu que 83% dos portugueses aprovam a proibição do uso dos telemóveis nas escolas para alunos dos 1º e 2º ciclos. Mais: Uns incríveis 95% acreditam que o uso dos telemóveis contribui para a distração dos alunos na sala de aula. Curiosamente, este apoio mantém-se consistente tanto entre pais com filhos em idade escolar como no resto da população.
Claro, nenhuma medida é perfeita e há sempre quem veja o copo meio vazio. Os Desafios?
- Os Pais: Acredito que das maiores dificuldades a enfrentar são os pais, sempre ansiosos por contactar os filhos durante o dia escolar. Terá de haver maior articulação e bom senso entre pais e os meios de contacto escolar já existentes. O telemóvel não é a única via para a segurança.
- As Direções das Escolas: Terão dificuldades na fiscalização das normas, principalmente onde coexistem alunos de diferentes ciclos em convivência. Como se diferenciam os miúdos de 10 dos de 16? A coisa promete ser um quebra-cabeças.
- Os Críticos da “Proibição”: Há quem defenda que “banir não é o melhor passo”, como a Teresa Castro, que aponta para o diálogo intergeracional em vez da repressão. Respeito a opinião, mas às vezes, diálogo sem limites claros vira anarquia.
O Ministro da Educação diz que a proibição aplica-se tanto a escolas públicas como a privadas garantindo uniformidade na aplicação da medida.
Num ponto de vista pessoal, há coisas que me ficam gravadas a fogo na cabeça, e a proibição de telemóveis para miúdos até aos 13 anos é uma delas. Até esta idade, os miúdos devem ter relações e interações reais. Conhecer o mundo da forma como o veem e não como outros o querem “pintar” para os likes e os views.
Os TikToks, shorts, reels… esta forma acelerada de mostrar cenários criados para chocar ou obter engagement não é de todo natural, e os mais novos não percebem isso. Acham que é normal e comum a misoginia, o julgamento social pela aparência, as diferenças raciais exacerbadas, o crescimento na vida sem esforço, a compra de cursos para nos tornarmos milionários numa semana, os cremes hidratantes a 250€ de secreções de caracol com urina de morcego da Mauritânia, e quejandos.
Onde é que isto vai parar? Um dia aparecem no topo de um edifício para se mandarem abaixo porque não sabem como explicar aos pais que engravidaram uma miúda aos 14 anos, porque viram na internet que isso não acontece se ambos fizerem figas, ou porque não têm capacidade para lidar com a frustração de terem sido gozados na escola porque não se pentearam… É um cenário extremo, mas a semente está lá.
Além disso, parece que hoje em dia, a palavra “proibição” ou “não” se tornou uma palavra feia, um tabu que deve ser escondido e mentido fora do alcance dos menores. Quase um palavrão que faz comichão a certas almas sensíveis. Falta perceber que proibir, por vezes, é proteger. E nos mais pequenos, é uma prática que ensina. E se há sítio para proteger os nossos putos de uma prática que os isola, reduz a socialização real e destrói a concentração nas aulas, esse sítio é a escola. Não se trata de um castigo, parece-me um resgate!
Pensamento crítico em crise e responsabilidade partilhada
Esta mudança de paradigma é um trabalho interligado, com responsabilidades e participação dos vários atores na vida das crianças. Digo isto porque os pais têm uma enorme responsabilidade na promoção e eventual sucesso desta medida. Não valerá de nada proibir os telemóveis na escola se os pais em casa vitimizarem os meninos, ou de alguma forma compensarem o uso dos mesmos em casa.
E, por favor, não me venham com histórias que estamos a limitar a liberdade dos miúdos. Que liberdade? Eles têm menos de 12 anos! Fazem o que os pais deixam e têm acesso ao que os pais permitem. Não há cá negociações de start-up com investidores nesta idade.
Em simultâneo, as escolas vão precisar de autonomia e capacidade de “forçar” esta medida. Mais uma vez, os pais serão um elemento fulcral a dar poder ao pessoal docente e não docente. A escola tem regras e existe para ensinar, não educar – a educação vem de casa, a aprendizagem acontece na escola.
Outro aspeto sério, e que me tira do sério, é a desinformação. Embora não seja um problema exclusivo dos mais novos, eles são, de longe, os mais vulneráveis. Os telemóveis são uma autoestrada para ela, dada a facilidade com que se afirmam “factos” sem base alguma.
Isto sem aprofundar acerca da inteligência artificial (AI, para quem gosta do anglo), que mostra apenas uma perspetiva, afunilando as opiniões e reduzindo o pensamento crítico. O Google já não faz isto, mas até há bem pouco tempo, ao fazer uma pesquisa, se bem se lembram, aparecia que demorou uns milésimos de segundo para recuperar não sei quantos milhões de resultados. E depois, sejamos sinceros, andávamos a ver os primeiros resultados. Mas tínhamos acesso a milhões de resultados se quiséssemos. Com as AI, é aquele texto que nos foi ‘cuspido’ à frente, muitas vezes até com alucinações ou informações taxativamente falsas e erradas. É um perigo crescente, e a escola tem de ser o farol.
Para mim, é claro como água. Esta proibição não é um exagero ou limitação das liberdades dos miúdos. É uma medida sensata, necessária e que só peca por tardia. Mais disciplina, mais respeito e menos distração.
Se alguém acha que é demais, sugiro ir a uma escola e passar um dia inteiro a ver os vários grupos individuais de cabeças baixadas, absortos nos seus ecrãs. Depois falamos.